Gestão de Efluentes na Indústria de Laticínios: Desafios, Soluções Tecnológicas e Oportunidades Econômicas 2k2o52

O setor de laticínios, uma das principais indústrias do segmento agroalimentar, caracteriza-se pela geração de efluentes líquidos com alta carga orgânica. 483413

57 Views 8 Min

Mariana Campos Lima, Claudety Barbosa Saraiva, Cássia Cantarino da Silveira e Clarice Coimbra Pinto

03/06/2025 13h27 - Atualizado há 1 dia

Gestão de Efluentes na Indústria de Laticínios: Desafios, Soluções Tecnológicas e Oportunidades Econômicas

Foto Divulgação Freepik

O setor de laticínios, uma das principais indústrias do segmento agroalimentar, caracteriza-se pela geração de efluentes líquidos com alta carga orgânica. Esses efluentes são oriundos de diversas operações ao longo do processamento, incluindo pasteurização, produção de derivados lácteos, higienização de equipamentos e descarte de subprodutos. A presença de lipídios, proteínas, lactose e sais minerais nesse tipo de efluente torna seu lançamento direto prejudicial aos corpos receptores, o que impõe desafios operacionais, ambientais e econômicos às Estações de Tratamento de Efluentes (ETEs). Por isso, é essencial adotar tecnologias adequadas e estratégias de gestão eficientes, capazes de melhorar o aproveitamento energético, recuperar subprodutos e reduzir os custos do processo industrial.

A composição dessas águas residuárias varia conforme o tipo de produto fabricado, os métodos de higienização empregados e a eficiência do uso de recursos hídricos nos processos industriais. Além da carga orgânica, esses efluentes contêm nutrientes como nitrogênio e fósforo, que, se lançados em corpos d'água sem tratamento adequado, podem causar eutrofização, resultando na proliferação excessiva de algas e na degradação da qualidade da água.

A figura abaixo resume os principais parâmetros físico-químicos encontrados nos efluentes da indústria de laticínios e a faixa de variação comumente encontrada:

Dessa forma, devido à complexidade de sua composição, os efluentes lácteos necessitam de tratamentos específicos para reduzir a carga orgânica e remover nutrientes, garantindo a conformidade com a legislação ambiental vigente e diminuindo os impactos ambientais associados ao seu descarte inadequado. O tratamento inadequado desses resíduos pode gerar penalidades legais, exigir ações corretivas no sistema de tratamento e aumentar os custos operacionais, devido ao maior uso de produtos químicos, energia e mão de obra. Além disso, pode comprometer a credibilidade da empresa junto ao mercado e aos órgãos ambientais. Por outro lado, a gestão eficiente da carga orgânica garante o atendimento aos requisitos legais, otimiza os processos, reduz despesas e favorece a valorização de subprodutos antes considerados resíduos.

Assim, o controle adequado desse parâmetro deve ser visto como uma estratégia fundamental para melhorar a eficiência produtiva, fortalecer a competitividade e promover a sustentabilidade econômica do setor.

A presença significativa de soro de leite nos efluentes da indústria de laticínios é um fator crítico, pois este subproduto é altamente poluente devido à sua elevada concentração de lactose e proteínas. Estima-se que o soro de leite seja até cem vezes mais contaminante que o esgoto doméstico, contribuindo substancialmente para o aumento do potencial poluidor dos resíduos gerados nesse setor industrial. Diante desse cenário, uma alternativa eficaz para mitigar esse impacto e, consequentemente, reduzir os custos associados ao tratamento, é o reaproveitamento do próprio soro.

O soro de leite é um coproduto com elevado potencial de valorização, podendo ser empregado na formulação de suplementos nutricionais, bebidas funcionais, rações animais e outros produtos de maior valor agregado.

Ao separar o soro e evitar seu lançamento conjunto com os efluentes, há uma redução significativa da carga orgânica no resíduo líquido, o que diminui a necessidade de tratamentos mais complexos e onerosos.

Essa prática, além de mitigar os impactos ambientais, representa uma solução economicamente vantajosa, promovendo a valorização de coprodutos e fortalecendo a sustentabilidade da cadeia produtiva.

Complementando essa abordagem, outras estratégias também podem ser adotadas com o objetivo de reduzir a carga orgânica dos efluentes e, assim, diminuir os custos operacionais do tratamento. Uma das abordagens é o uso de sensores para monitoramento contínuo da Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO5,20). Esses sensores permitem o controle em tempo real dos sistemas de aeração nas Estações de Tratamento de Efluentes (ETEs), que são, historicamente, responsáveis por uma grande parcela do consumo energético. Com base nas leituras dos sensores, é possível ajustar automaticamente a aeração, fornecendo oxigênio apenas quando necessário. Essa regulação dinâmica pode reduzir significativamente o consumo de energia, resultando em economias que chegam a até 30% na operação, conforme relatado em estudos recentes. Assim, ao diminuir a carga orgânica antes ou durante o tratamento, o produtor reduz um dos custos mais pesados do processo.

Outra estratégia de destaque é a digestão anaeróbia, que além de tratar efluentes, gera biogás, um subproduto energético valioso. Ao converter a matéria orgânica presente nos resíduos em energia, essa técnica reduz tanto a carga poluente quanto os gastos com eletricidade da planta. Em algumas indústrias, a adoção de biodigestores permitiu a substituição parcial de fontes externas de energia, com reduções de até 50% nos custos energéticos mensais. Além disso, a digestão anaeróbia reduz o volume de lodo final, que é produzido em elevadas quantidades em sistemas de tratamento aeróbios, diminuindo gastos com transporte e disposição de resíduos. O reaproveitamento energético dos resíduos, portanto, não é apenas uma alternativa ecológica, mas uma forma direta de aliviar financeiramente o processo industrial.

Boas práticas de gestão ambiental dentro da indústria também exercem papel fundamental na redução da carga orgânica e nos custos associados ao tratamento. Medidas como a separação de resíduos na fonte, o reaproveitamento de água em processos internos e a capacitação dos operadores quanto ao uso racional de insumos reduzem significativamente a geração de efluentes contaminados. Além de evitarem perdas de matéria-prima e aumentarem a eficiência produtiva, essas ações contribuem para a conformidade ambiental e reduzem a necessidade de intervenções corretivas complexas no sistema de tratamento.

Por fim, o reuso da água tratada é outra ferramenta que, quando combinada às anteriores, maximiza o aproveitamento dos recursos disponíveis. Ao destinar a água tratada para usos industriais não sensíveis, como lavagem de pisos ou resfriamento de equipamentos, reduz-se a demanda por água potável e o volume de efluente gerado. Isso alivia a carga sobre os sistemas de tratamento e representa uma economia direta para o produtor.

Por fim, torna-se inegável que a implementação dessas estratégias contribui de maneira significativa para a mitigação dos impactos ambientais associados ao descarte desse tipo de efluente industrial. Ao reduzir a carga orgânica antes que o efluente seja lançado no meio ambiente, minimiza-se a demanda de oxigênio nos corpos receptores, preservando a biodiversidade aquática e evitando a poluição da água. Dessa forma, além de gerar ganhos econômicos diretos, a adoção dessas estratégias reforça o compromisso da indústria de laticínios com a responsabilidade ambiental e a sustentabilidade de suas operações.

REFERÊNCIAS

COSTA, M. A. et al. Estratégias para redução de resíduos na indústria de laticínios: um estudo de caso no Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 26, n. 2, p. 315-329, 2021.

FERREIRA, J. L. et al. Avaliação de sistemas anaeróbios e wetlands construídas para o tratamento de efluentes de laticínios. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 25, n. 3, p. 421-434, 2020.

GUDE V. G. (2017). Renewable energy: Wastewater nexus. Journal of Water Resources and Management. https://doi.org/10.5348/W01-2017-5-ED-1

MENDES, A. et al. Estudo da carga orgânica nos efluentes da indústria de laticínios e suas implicações no tratamento. Revista Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, 2020.

PATEL, R. J. et al. Biogas and energy recovery from anaerobic digestion of sludge in wastewater treatment plants. Journal of Environmental Engineering, v. 55, n. 4, p. 312-318, 2020.

ROCHA, R. A. et al. Uso de digestores anaeróbicos na redução de lodo e recuperação de energia em plantas de tratamento de efluentes industriais. Engenharia Sanitária e Ambiental, 2021.

SILVA, A. L.; OLIVEIRA, C. M. O impacto da carga orgânica em sistemas de lodo ativado nas ETEs da indústria de laticínios. Revista de Engenharia Ambiental, v. 24, n. 4, p. 231-239, 2019.

SOARES, P. R. Aplicação de reatores de biofilme de leito móvel no tratamento de efluentes industriais. Journal of Environmental Science, v. 32, n. 5, p. 201-215, 2018.

XIA, J., et al. (2021). Ação eficiente de sistemas de aeração controlada em estações de tratamento de esgoto. Water and Energy Journal, 43(3), 234-246.2020).

Autores: Mariana Campos Lima, Claudety Barbosa Saraiva, Cássia Cantarino da Silveira e Clarice Coimbra Pinto.

FONTE: Epamig/Instituto de Laticínios Cândido Tostes